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Combustíveis. Adiós vantagem espanhola, Governo pondera aumentar preço

Jornal I  - 5 de Julho

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Combustíveis. Adiós vantagem espanhola, Governo pondera aumentar preço

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

A opinião é unânime junto dos especialistas contactados pelo i: Se o Governo espanhol aumentar os valores na ordem dos 20 cêntimos, abastecer junto das fronteiras deixa de ter vantagem competitiva. E culpam os atuais preços praticados no mercado nacional pela elevada carga fiscal.

Os preços dos combustíveis não param de subir, atingindo recordes atrás de recordes – a partir de hoje a gasolina deverá aumentar um cêntimo para 1,669 euros por litro, enquanto o valor do gasóleo deverá manter-se nos 1,452 euros por litro ­– mas se até aqui abastecer na vizinha Espanha representa uma verdadeira poupança, esse truque poderá ter os dias contados.

A explicação é simples: o Governo espanhol tem em cima da mesa uma proposta para impor um aumento histórico de impostos sobre os combustíveis, para acelerar a descarbonização da economia nas próximas décadas, cuja subida deverá rondar os 20 cêntimos. E caso isso aconteça a diferença com o preço praticado no mercado nacional baixa para a ordem dos cinco cêntimos.

Um cenário que, de acordo com a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), irá retirar as atuais vantagens competitivas. “Naturalmente que se a carga fiscal aumentar em Espanha, os preços de venda ao público irão aproximar-se dos praticados em Portugal, deixando de ser vantajosa a deslocação ao país vizinho para abastecer, pelo que é expectável que os consumos subam em Portugal nas zonas fronteiriças”, refere ao i.

Uma opinião partilhada pela Associação Nacional de Revendedores De Combustíveis (Anarec) que aponta mesmo para uma questão de justiça. “Para os consumidores habituados a ir abastecer a Espanha deixará de compensar. De qualquer forma, faz-se alguma justiça para os revendedores de fronteira portugueses”. E vai mais longe: “A Anarec tem todo o interesse que os preços sejam mais baixos, por causa dos nossos associados junto à fronteira que são prejudicados pelos preços praticados do lado de lá de Espanha”.

Ainda assim, fonte oficial da Apetro lembra que os preços antes de impostos são muito similares entre os dois países, sendo até inferiores em Portugal em alguns períodos. E dá exemplos: “No passado mês de maio, os preços médios antes de impostos e taxas, da gasolina eram de 0,630 euros em Portugal e de 0,639 euros em Espanha, e os do gasóleo de 0,616 euros e 0,615 euros, respetivamente”.

Queda de negócio em Espanha

Mas a par do impacto no bolso dos consumidores portugueses, essa alteração também terá reflexo no próprio negócio das gasolineiras espanholas. Ricardo Marques, analista do IMF -Informação de Mercados Financeiros, partilha da opinião que essa mudança poderá ser benéfica para Portugal. “Aquela situação de passar a fronteira só para abastecer deixa de existir. É igual abastecer em Espanha ou em Portugal”. afirma ao i.

Uma opinião partilhada pelo analista do Banco Carregosa, Paulo Rosa. “Aparentemente, apenas a população raiana, uma minoria no contexto demográfico nacional, abastece em Espanha, logo não deverá existir alterações visíveis para os clientes portugueses”, acrescentando ainda que “se se efetivar a subida de 20 cêntimos nos combustíveis espanhóis, alguma competitividade pode ser perdida pelas empresas espanholas para as suas congéneres europeias, nomeadamente para as empresas portuguesas”.

Ainda assim, há quem admita que a margem de diferença poderá continuar a compensar para quem está perto das fronteiras. Pelo menos, é essa a opinião de Henrique Tomé, analista da XTB. “Se Espanha decidir aumentar os preços dos combustíveis em 20 cêntimos, mesmo assim os preços dos combustíveis em Portugal irão permanecer ligeiramente mais altos que os combustíveis espanhóis”, diz ao i.

Com o aumento de 20 cêntimos, o economista da IMF levanta uma dúvida: “Resta saber se Portugal depois não aumenta também para ir buscar alguma receita”.

 A que se devem estes aumentos?

A subida do preço dos combustíveis em Portugal tem estado na ordem do dia. Atualmente, abastecer em Portugal está mais caro ocupando lugares de topo a nível europeu. De acordo com o Boletim semanal de combustíveis da União Europeia, Portugal tem tido presença regular no topo dos países com a gasolina e o gasóleo mais caro de toda a Europa.

Portugal tem a 5.ª gasolina mais cara e o 8º gasóleo mais caro de toda a Europa analisada no período até 21 de junho. Mas vamos a números. No caso da gasolina, há nove meses que se verifica um aumento. Não muito diferente do que acontece com o gasóleo que apenas registou uma ligeira quebra no mês de abril. Feitas as contas, desde janeiro, o gasóleo já terá subido cerca de 20 cêntimos por litro e a gasolina 25 cêntimos por litro.

Os aumentos estão, aliás, espelhados no site da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG). O economista do Banco Carregosa, fez as contas: “A gasolina 98 custava, a 31 de dezembro do ano passado, 1.532 euros por litro e o gasóleo 1.317 euros por litro. Atualmente custam 1.773 euros a gasolina 98 e 1.513 o gasóleo, uma subida de 16% e 15%, respetivamente”, diz Paulo Rosa.

Também Henrique Tomé, analista da XTB, deixa exemplos: “No início deste ano o gasóleo simples rondava os 1,32 euros por litro. Neste momento, e passado praticamente 6 meses, o preço do gasóleo simples ronda os 1,45 euros por litro. Ou seja, quem abastecia o carro com cerca de 20 litros no início do ano, pagaria cerca de 26,40 euros. Neste momento, esses mesmos 20 litros, custam cerca de 29 euros”.

Mas a que se deve esta subida? Henrique Tomé explica: “As subidas dos preços dos combustíveis em Portugal estão associadas aos aumentos dos preços no petróleo. O barril de referência na Europa, o Brent tem estado a valorizar há três meses consecutivos. Neste momento o Brent está a ser cotado perto da marca dos 75 dólares, atingido máximos de 2018”, diz ao i.

Opinião que é partilhada por Ricardo Marques, analista da Informação de Mercados Financeiros (IMF). “Deve-se à subida do preço do petróleo no mercado internacional. Têm estado a subir de forma consistente, não para valores que não tenham estado antes mas têm estado a subir”, explica o analista. “Nos últimos tempos o dólar também tem subido um pouco e como os preços são em dólares, o dólar mais forte também tem ajudado a essa subida”.

Já Paulo Rosa lembra: “O Brent é a referência para os combustíveis em Portugal e valorizou 45% desde o início do ano”.

 Revendedores descartam responsabilidade

Para a Anarec não há dúvidas: “As entidades envolvidas na determinação dos preços dos combustíveis são as companhias petrolíferas e o Governo. Os cofres do Estado, naturalmente, beneficiam do aumento dos preços, uma vez que, necessariamente, aumentam também os impostos associados, como é o caso do ISP e do IVA”.

E deixam um recado aos consumidores: “Os revendedores de combustíveis, que exploram os postos de abastecimento onde o consumidor vai abastecer a sua viatura, não têm qualquer influência (e nem tão pouco voto na matéria) na subida ou descida do preço dos combustíveis”, acrescentando que são o último elo da cadeia de revenda de combustíveis. “Limitamo-nos a praticar os preços que nos são determinados pelas companhias petrolíferas. Os empresários que têm os postos de abastecimento não ganham a mais ou a menos com a subida dos preços, porque a nossa taxa de lucro é fixa e incide sobre o litro vendido. Aliás, com o aumento dos preços, alguns consumidores abastecem menos, o que diminui, isso sim, o nosso lucro”, garante ao i.

 É certo que do lado da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), a justificação é outra. O aumento dos preços nos combustíveis “é uma das afirmações mais repetida pelos órgãos de Comunicação Social e tomada como verdade pela sociedade em geral que, de facto, não corresponde à verdade”, diz a associação ao i.

E para justificar esta tomada de posição, a Apetro mostra um gráfico que compara, no período compreendido entre a 25.ª semana de 2020 e a 24.ª semana de 2021, os preços médios semanais do gasóleo antes de Impostos (PMAI) e os preços Médios Semanais de Venda ao Público (PMVP) em Portugal com as cotações médias semanais do CIF NWE e do MID Brent em igual período para os produtos referidos. Daqui, conclui-se “a evidência do facto de se fazer refletir as variações do custo dos produtos refinados no preço dos combustíveis, tanto na subida como na descida, sendo perfeitamente visível no gráfico o paralelismo entre as duas linhas”, diz a Apetro.

 Tendência é para continuar?

A verdade é que os preços têm subido e isso é visível nos postos de abastecimento de combustível um pouco por todo o país. Mas esta tendência é para continuar? Ricardo Marques não hesita: “Sim. Se no mercado internacional os preços continuarem a subir… Vai depender muito dos países produtores que cortaram a produção por causa da quebra do consumo no ano passado”, diz Ricardo Marques. E explica: “Cortaram a produção e ainda não voltaram a colocar a produção como era. Por outro lado, o consumo de combustíveis tem vindo a recuperar, principalmente nos EUA onde já se está a consumir gasolina aos níveis de antes da pandemia. Com o consumo a voltar aos níveis normais sem que a produção regresse aos níveis normais, começa a haver ainda alguma escassez e o preço pode continuar a subir por causa disso”.

Já Paulo Rosa lembra que, no ano passado, a OPEP e os seus aliados cortaram na produção para compensar a descida da procura consequente da pandemia. “Gradualmente a economia reabre impulsionada pelos programas de vacinação mas a oferta ainda não regressou aos níveis pré-covid e se os países da OPEP mantiveram a disciplina nos atuais níveis de produção, o petróleo tem ainda espaço de valorização”, acrescenta.

A opinião é partilhada por Henrique Tomé que, no entanto, deixa um alerta: “Apesar do aumento dos preços, a procura continua a aumentar”.

E a quantidade de pessoas que andam de carro pode diminuir? “Se aumentar o preço dos combustíveis, se se mantiver esta situação de possibilidade de teletrabalho, diria que as pessoas, ao ver o que estão a gastar em combustíveis, poderão ter tendência a reduzir um pouco”, diz Ricardo Marques. Henrique Tomé concorda, mas acrescenta: “As consequências dos aumentos dos combustíveis não são limitadas apenas aos consumidores, as empresas também deverão sair prejudicadas se os preços dos combustíveis continuarem a subir”.

Ainda no que diz respeito às possíveis consequências dos consecutivos aumentos, Paulo Rosa explica: “Os custos das empresas intensificam-se com a subida dos preços dos combustíveis e as empresas que tenham pricing power poderão repassar esses custos para os consumidores”, diz ao i. No entanto, “os combustíveis em Portugal subiram cerca de 15% no primeiro semestre diante da forte valorização de 45% do Petróleo Brent. Ou seja, os preços dos combustíveis eram já elevados porque cerca de 60% são encargos fiscais, uma característica dos países europeus, e a subida do petróleo apenas incide sobre os remanescentes 40%. Uma subida de 45% do brent no primeiro semestre corresponde a uma subida à volta de 18% nos combustíveis sem impostos (45%x40%=18%)”.

Já o analista da XTB diz que “os consumidores poderão começar a optar mais pelos transportes públicos em alternativa e a utilizar menos o seu próprio veículo para as deslocações. O setor automóvel também poderá registar uma maior procura por veículos elétricos, híbridos ou plugin”. Já no setor empresarial, as empresas de transporte poderão começar a optar por alternativas ou “em último caso, aumentar os preços dos seus serviços para cobrir os custos”.

E a associação aponta o dedo ao facto de as margens estarem mal repartidas na cadeia da revenda dos combustíveis. “Grande parte dos postos de abastecimento vivem hoje com grandes dificuldades devido à menor rentabilidade, porque as estruturas de custo se têm agravado ao longo dos anos e as nossas margens comerciais têm-se mantido iguais”, acrescentando que “há cerca de dez anos que o valor da margem comercial pelos postos de abastecimento não sobe”.

A Anarec recorda que as margens estão contratualizadas com as companhias petrolíferas e não sofrem alteração com a variação do preço ao consumidor. “Não ganhamos mais com o aumento do preço dos combustíveis. A diferença entre postos, que tem sido questionada diversas vezes, tem a ver com as políticas comerciais das diversas companhias petrolíferas. São elas que dão indicação aos revendedores dos preços finais a serem praticados nos postos”, diz ao i. E face a esse cenário lembra que tem apelado às petrolíferas para que haja uma melhor distribuição das margens comerciais pela cadeia de valor.

O grande problema da carga fiscal

A verdade é que o elevado preço dos combustíveis está muito relacionado com a alta carga fiscal que os faz disparar para valores muito altos. Henrique Tomé não tem dúvidas: “Sim, de facto a carga fiscal em Portugal sobre os combustíveis é bastante elevada se compararmos com outros países. Mais de metade dos preços dos combustíveis que os consumidores pagam são impostos”.

Uma opinião partilhada por Ricardo Marques: “Fazendo as contas ao preço que a gasolina e o gasóleo estão nos mercados internacionais, nos mercados europeus, aquela que é transacionada pelas grandes companhias, é fácil de perceber que mais de 50% do preço que estamos a pagar são impostos”.

E explica ao i o que aconteceu: “Quando os preços caíram, há uns anos, os Governos foram sucessivamente aumentando os impostos porque o público não notava uma vez que o aumento dos impostos estava a ser compensado pela baixa dos preços internacionais. O problema é que agora, quando o preço sobe para os níveis que estava há uns anos, ficamos com os combustíveis muito acima dos níveis a que estávamos há uns anos. O petróleo não está sequer nos 80 dólares e já esteve nos 140 dólares. E a gasolina nunca esteve como está agora. Toda essa diferença são impostos”.

É que, ultimamente, os portuguesas pagam mais de 50% em impostos quando abastecem. A Apetro faz as contas: “Na semana com início a 21/06, os impostos representaram cerca de 60% do PMVP na gasolina e de 55% no gasóleo”.

Fica então explicado que o aumento dos preços nos combustíveis tem como ‘grande culpada’ a carga fiscal e parece que não há muito que as petrolíferas possam fazer. “A margem que as companhias têm para fazer variar significativamente o preço de venda é muito pequena”, diz a Apetro. E acrescenta: “As companhias têm cerca de 16,8 cêntimos na gasolina e de 12,9 cêntimos no gasóleo, para fazer face aos custos de armazenagem, das reservas obrigatórias, da distribuição e transporte, da comercialização (que inclui as promoções e os descontos feitos pelos operadores) e por fim a margem dos revendedores e das petrolíferas”.

 Cofres do Estado enchem

Os últimos dados divulgados pela Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), nos primeiros quatro meses deste ano os portugueses terão consumido um total de 1,1 mil milhões de litros de gasóleos (simples e aditivado) e gasolinas (95 simples, 95 aditivada, 98 simples e 98 aditivada), pelos quais terão pago mais de 1,5 mil milhões de euros. Deste total, 942,3 milhões dizem respeito a impostos.

Só em relação ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP) entraram para os cofres do Estado 590,5 milhões de euros até abril deste ano. Já em relação ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) terá arrecadado 351,7 milhões de euros, de acordo com o Negócios.

Atento a estes valores, o PCP quer propor preços máximos nos combustíveis. No entender dos comunistas, “não é admissível que, quando o preço do petróleo sobe, os preços pagos pelos consumidores subam na mesma proporção”, e quando o preço do petróleo desce, “mantêm-se quase inalterados”. E a fórmula do partido passa por legislar no sentido de criar um “regime excecional e temporário de preços máximos dos combustíveis líquidos” e que vigorará até 31 de dezembro de 2022.

Já a Anarec acena com a possível intervenção da Autoridade da Concorrência, pois considera que o regulador tem competência para intervir nesta situação, acrescentando, no entanto, que “acredita que a AdC estará atenta e agirá dentro das suas competências”.